segunda-feira, 10 de março de 2008

Resenha

Para os que não pegam no sono ao ler sobre as questões ligadas à cibercultura e ao ciberespaço, segue uma resenha que tive de fazer sobre alguns capítulos do livro "Cibercultura" de Pierre Lévy.

Resenha do livro “Cibercultura”
Autor: Pierre Lévy
Pgs.: 85-121

O autor afirma que a Web é um enorme espaço digital, que se expande constantemente e de forma rápida. Esse espaço virtual, embora possa parecer caótico, oferece “inúmeros ‘mapas’, filtros, seleções para ajudar o navegante a orientar-se”. (Lévy, Pierre. Cibercultura. Pg.85. 1997)
Lévy indica a existência de duas formas de navegação distintas: a “caçada” e a “pilhagem”. Na primeira, buscamos informações precisas e rápidas. Na segunda, embora tenhamos algum interesse específico inicial, estamos propensos anos desviar do caminho traçado.O autor fornece exemplos — demonstrando-os através de experiências próprias — de cada um dos tipos de navegação na Web. Com isso, Lévy quer deixar claro que a partir de metodologias distintas de navegação podemos encontrar praticamente tudo por meio da internet ou, pelo menos, informações básicas a respeito do assunto pesquisado.
A partir da leitura do livro também é possível chegar a conclusão de que a Web, além de um enorme acervo de informações, também é um espaço de interatividade, em que a “alimentação” desse acervo também depende da nossa participação.
Embora me pareça correta a definição dada por Lévy de ciberespaço, acho que ele se excede sobre a questão da digitalização, ou codificação digital, como elemento característico fundamental da Web. Embora esse seja um fator importantíssimo, não devemos nos esquecer de que é a atividade humana a mola propulsora do ciberespaço.
No livro, também podemos constatar que o ciberespaço trouxe inovações em relação às grandes técnicas de comunicação tradicionais.
Essas inovações são o acesso à distância e a transferência de dados, possibilitadas pela interconexão em tempo real de vários computadores.
O correio eletrônico permite a troca de mensagens de forma individual ou coletiva. Também é uma evolução em relação à classificação, armazenamento e velocidade com que essas mensagens são trocadas.
Com as conferências eletrônicas, tornou-se mais simples a discussão — por um grupo de pessoas — de assuntos de mútuo interesse. Essa discussão também pode dar-se em tempo real.
Quando combinamos essas ferramentas e as utilizamos de forma cooperativa, aperfeiçoamos e realimentamos uma base de dados dedicada a um determinado processo de aprendizagem, criando assim uma groupware.
A criação de mundos virtuais compartilhados possibilita a troca, de modo a afetar a sensibilidade dos participantes, criando assim uma relação sensório-motora por meio de ferramentas digitais.
Atualmente podemos verificar que a evolução da Web tornou mais fácil e acessível a navegação pelos milhões de documentos e informações do mundo digital. Cada vez menos é necessário ter amplos conhecimentos de informática para utilizar a internet. A Web está mais “popular”.
Para Lévy, a cibercultura é definida pela “universalidade sem totalidade”, ou seja, ao aceitar a todos e permitir sua interconexão independente da “carga semântica” das entidades relacionadas, o ciberespaço permite que a cibercultura não tenha uma centralização de idéias, nem uma diretriz.
No plano técnico, a velocidade da evolução e virtualização das informações são as constantes da Web. Neste aspecto é possível apontar uma contradição, pois, se é correto afirmar que a infra-estrutura técnica tende a universalizar “padrões” (com sistemas operacionais, linguagens de programação e aplicativos), essa universalização acaba por concentrar-se nas mãos de alguns poucos detentores de “nichos”. A tentativa de aquisição do site de grupos e buscas Yahoo! por parte da Microsoft, recentemente, é um exemplo da centralização crescente dessa infra-estrutura o que pode acabar influenciando essa universalidade do ciberespaço. Quando Lévy escreveu “Cibercultura”, esse processo ainda não era tão evidente.
Com uma rápida “viagem” pelas antigas sociedades de culturas orais e sua transformação com a chegada da escrita, ao autor nos conduz até a conclusão de que a escrita está associada ao universal na medida em que por meio dela há a tentativa de instaurar em todos os lugares o mesmo sentido das coisas. Cabe aqui um parênteses, pois Lévy também chega à conclusão de que a escrita é totalizante, ao que eu agregaria que pode ser totalizante, mas em menor medida que outras “mídias”.
Com relação às mídias de massa tradicionais, Lévy apresenta a condição totalizante como fundamental à sua universalização:

“Circulando em um espaço privado de interação, a mensagem midiática não pode explorar o contexto particular no qual o destinatário evolui, e negligencia sua singularidade, seus links sociais, sua microcultura, sua situação específica em um momento dado. É este dispositivo ao mesmo tempo muito redutor e conquistador que ‘fabrica’ o público indiferenciado das mídias de ‘massa’. Por vocação, as mídias contemporâneas, ao se reduzirem à atração emocional e cognitiva mais ‘universal’, ‘totalizam’”.
(Lévy, Pierre. Cibercultura. Pg.116, 1997)

Além disso, estas mídias não mantêm um canal aberto à reciprocidade com os espectadores, pois estes estão implicados “emocionalmente” no processo, mas não “praticamente”; há apenas recepção passiva e isolada.
No treco a seguir, Lévy deixa uma “janela” aberta à idéia de que no ciberespaço é possível que se “desate” esse nó da totalização, mantendo-se ainda o caráter universal, mas explicita que isso é uma possibilidade, não um fato “garantido nem automático”.

“A ecologia das técnicas de comunicação propõe, os atores humanos dispõem. São eles que decidem em última instância, deliberadamente ou na semi-inconsciência dos efeitos coletivos, do universal cultural que constroem juntos. É preciso ainda que tenham percebido a possibilidade de novas escolhas”.
(Lévy, Pierre. Cibercultura. Pg.116, 1997)

Desta forma o autor conclui que o ciberespaço é universal, mas sem totalidade. A interconexão e a interatividade permitem a comunicação transversal. Com isso, o universal não se baseia mais na compreensão de um sentido único — inerente à escrita — mas sim na conexão pelo contato, “a interação geral”.
Por fim, o autor afirma que “quanto mais o novo universal se concretiza ou se atualiza, menos ele é totalizável” (ibidem, pg.120) e que “as tentativas de fechamento tornam-se praticamente impossíveis ou muito claramente abusivas” (ibidem, pg.120). Neste ponto tenho uma divergência fundamental com o autor, pois me parece prematuro — mais ainda se considerarmos que o livro foi escrito em 1997 — que o ciberespaço e, por meio dele, a cibercultura, possam neste momento ser classificados como universais sem totalidade. Ainda são espaços em disputa e menosprezar o poder e as estratégias das grandes corporações do setor e dos governos que norteiam as políticas sócio-culturais mundiais, pode ser um equívoco que nos deixe desarmados na tentativa de garantir um verdadeiro ciberespaço, que possibilite uma cibercultura universal e não-totalizada.

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