quinta-feira, 26 de junho de 2008

E assim ele disse.

A extraordinária aventura vivida por Vladímir Maiakóvski no verão da datcha(1)

(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, a 27 verstas(2) pela estrada
de ferro de Iaroslávl)

A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.
O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.
Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casca dos telhados.
E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.
E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.
Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente
Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.
E grito ao sol, de pronto:
"Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!"
E grito ao sol:
"Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!"
E grito ao sol:
"Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?"
Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.
Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.
Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.
Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
"Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.
Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!"
Lágrimas na ponta dos olhos
— o calor me fazia desvairar —
eu lhe mostro
o samovar:
"Pois bem,
sente-se astro!"
Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?
Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.
Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.
Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta(3),
etc.
E o sol:
"Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?
Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!"
Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.
E o sol, por fim:
"Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos."
O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.
Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é meu slogan
e o do sol.

1920

(1) Datcha: casa de veraneio
(2) Versta: medida itinerária equivalente a 1067 m.
(3) Rosta: A agência telegráfica russa, para a qual Maiakóvski executou cartazes saíricos de noícias.

Extraído do livro Maiakóvski (de Boris Schnaiderman, Augusto e Haroldo de Campos)

Voltei... triste...mas, voltei.

Os últimos meses tem sido insanos. Insanidade causada por excesso de trabalho, aulas, provas e pouco tempo para meus prazeres e família. Doenças de nossa época. Época de doenças sociais...
Mas a tristeza não foi causada por isso. Este blog, com seus poucos textos de vida, tem sido uma grata alegria para mim e, provavelmente, apenas para mim. Alegria por poder desenvolver algumas idéias que há tempos estavam sendo matutadas intimamente e a simples possibilidade de torná-las universais — milagrosa esta tal de www — já me dá a esperança de não ser apenas mais um, mas de ser UM. Que pensa e diz o que pensa. Algo que em nossos tempos já é mais do que a média e, cá entre nós, a média é algo que sempre quis superar, aliás, creio que todos deveriam ter esse propósito. Com certeza o mundo seria melhor se muitos fizessem um mínimo esforço para ser mais que a média...
Mas o que me traz de volta — além de alguns poucos dias de descanso do trabalho e da faculdade — foi a constatação de que não cumpri uma das metas que me propus quando comecei a escrever aqui. E esta em particular me deixou triste.
Queria aproveitar este espaço para homenagear algumas pessoas que têm sido fundamentais em minha formação como ser humano. E uma delas completou, no último dia 14 de abril, 78 anos de sua morte. A data passou despercebida para muitos e, tristemente, para mim.
Trata-se de meu poeta favorito: Vladimir Maiakovski. Nasceu na Geórgia em 1893 e suicidou-se em Moscou em 1930.
Nunca “paguei” de culto ou coisa que o valha, não entendo de poesia a ponto de apontar esta ou aquela corrente literária que mais me agrada. Poesia para mim é algo flexível, volátil e moldável. Trata-se de palavras à procura de um receptáculo, do encaixe perfeito. E isto não depende exclusivamente de quem as esculpe, para mim além do poeta é necessário o público, capaz de compreender e sentir o que este diz. E, com este conceito que é apenas meu, Maiakovski foi o maior de todos. Para mim é aquele que escreveu da melhor forma que eu pudesse compreender e sentir. Fico grato a ele e a ele recorro quando necessário. Se acreditasse em vida após a morte, pediria perdão por esquecer sua morte, mas, assim como ele, sou um materialista histórico por isso não há perdão, apenas obrigado.